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Vigorosos e vulneráveis

Ambientes que desafiam ou intimidam

Instrumentação ambiental

Niveis de conforto flexíveis

Importância da contextualização

Exceção faz parte da regra

 

 

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Arquitetura para Papéis Sociais Ativos

Pretende-se aqui a abordagem de certos conceitos que devem embasar o trabalho do designer visando o ajuste entre a satisfação das necessidades físicas e psicológicas de usuários com alguma deficiência física e as condições ambientais do espaço edificado.

A ênfase está na abrangência do design universal enquanto expressão física e simbólica da qualidade de vida. Em se tratando do design em todos os níveis (produtos, edifícios, assentamentos urbanos), as necessidades ambientais de portadores de deficiência devem ser consideradas como medidores numa escala de aferição para a qualidade ambiental. Necessidades específicas de indivíduos que estão fora da distribuição normal sobre desempenho físico advém de falhas existentes no espaço edificado em atender a "diversidade do desempenho vital" como aspecto característico de todos os usuários. Elementos do espaço de edificações construidas em respeito à essas necessidades, ao interferirem nas fronteiras mecânicas da deficiência, atuam igualmente sobre certos fatores ambientais que motivam as reações de preconceito e que impedem que portadores de deficiência possam desempenhar papéis sociais ativos com naturalidade e expontaneidade.

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Vigorosos e vulneráveis

Certamente, a capacidade física influi no desenvolvimento pessoal de mecanismos de adaptação e de tolerância às constantes mudanças que caracterizam cada estágio de vida. Alguns indivíduos, vigorosos, se adaptam mais e melhor que outros, vulneráveis. Uma inversão populacional advém dos meios tecnológicos para a saúde, e a esmagadora maioria de pessoas "normais" ou vigorosas que sempre prevaleceu em todo o mundo vem cedendo lugar a um número crescente de pessoas "vulneráveis", com problemas físicos de idade avançada, pelo modo de vida sedentário, ou por sequelas de doenças ou de acidentes.

As pessoas vulneráveis possuem características próprias e não se ajustam perfeitamente a modelos ou classificações distintas. O termo portador de deficiência é vago e pouco efetivo como referencial atribuido à parte dessa população de característica física variada e variável. São pessoas de idades diferentes, de ambos os sexos, possuem lesões de tipos e gravidade completamente distintas, e vivem em condições sociais diversas. A provável habilidade desta população para o uso do espaço ambiental edificado depende ainda da visão de mundo de cada pessoa, do tipo de elemento ambiental que usa, e da localização de ambos no contexto socio-cultural em que são integrantes. Tal habilidade se amplia em cada pessoa a partir da atitude exploratória, ora em ambientes que desafiam, ora nos que intimidam.

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Ambientes que desafiam ou intimidam

Um mesmo espaço pode conter situações diferenciadas em função da percepção das pessoas e do contexto em que ocorre a interação social. Assim, para uma mesma pessoa e num mesmo lugar sob contexto diferenciado, ambientes podem ter condições que desafiam ou que intimidam. 

Os ambientes que desafiam são estimulantes. A reação natural do usuário desenvolve suas aptidões físicas e psicológicas, além de aprimorar o relacionamento social. O usuário adquire competência ambiental, adaptando-se conforme as circuntâncias e assumindo a postura adequada para papéis sociais ativos de exploração do espaço edificado.

Nos ambientes que intimidam, certos elementos do espaço edificado não permitem a algumas pessoas se adaptarem ao modo de vida social de certa cultura por causa da deficiência física (de ordem motora, estética, orgânica, sensorial ou mental). 

Para muitas pessoas, tais barreiras ambientais são quase imperceptíveis. Atuam dentro de níveis de conforto considerados suportáveis, só dispendendo um esforço maior em certas circunstâncias ocasionais. Porém, estas barreiras se constituirão num impedimento ou numa situação estressante que inibe a expressão das habilidades de usuários portadores de deficiência e oferecem poucas oportunidades para o desenvolvimento de seu potencial. O usuário se torna um incompetente ambiental e, nas incontáveis frustrações do dia-a-dia, não consegue entender espaços não explorados e não consegue se socializar pelo processo comum a todos.

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Instrumentação ambiental

Mais importante do que se garantir um ambiente totalmente livre de barreiras é possibilitar que todos os indivíduos sejam habilitados a transpor suas limitações através da instrumentação ambiental e através da experiência acumulada de papéis sociais ativos. A instrumentação de usuários deve ocorrer através da natural existência de alternativas de uso ambiental adequadas ao desempenho dos indivíduos no contexto social de que fazem parte. O espaço ambiental deverá direcionar tais alternativas para as necessidades de diferentes populações-alvo.

Através do planejamento ambiental, pode-se intervir nas circunstâncias físicas e psico-sociais da relação pessoa-ambiente com a correta distinção entre os aspectos de desafio ou de intimidação presentes no espaço edificado. Prover condições ambientais satisfatórias a pessoas portadoras de deficiência poderia significar a alteração dos tradicionais níveis de conforto, de forma a abranger um padrão de normalidade mais amplo. No entanto, não se poderia atingir níveis de conforto para a satisfação de todos, a partir deste padrão considerado "normal". Por mais amplo que seja, nos limites desse padrão sempre haverá pessoas com pouca habilidade de ajuste. Requer-se então, que os níveis de conforto sejam repensados de maneira a formar limites flexíveis que se ajustem às habilidades de diferentes pessoas com pouca capacidade de adaptação. Assim, as alternativas se complementam em geral para instrumentar a competência ambiental de qualquer usuário.

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Níveis de conforto flexíveis

A criação de ambientes e produtos com níveis de conforto flexíveis implica em se estabelecerem novos valores simbólicos para o uso do espaço edificado e em se alterarem as relações entre as pessoas. O atendimento "personalizado" ao usuário requer a flexibilidade da organização de funções e de operações nos equipamentos e nas ações administrativas. A adaptabilidade ambiental e de produtos que respeitam as diferenças pessoais deve reconhecer as características peculiares dos usuários com ou sem deficiência aparente ao prover os elementos do espaço edificado de forma flexível, ajustável, removível e de acessórios adequados à habilidade particular de qualquer usuário.

Como base à essa adaptabilidade está a acessibilidade ambiental que, de forma gradual, chega a atingir a sofisticação de detalhamento necessária para atender portadores de deficiência múltipla, com pouca competência ambiental. O design livre de barreiras teve o seu início no planejamento de "instalações especiais" de maneira prover o espaço e a "acomodação" de portadores de deficiência na vida normal da sociedade, principalmente, através da acessibilidade para usuários em cadeiras de rodas. A adaptabilidade alterou a visão dialética da acessibilidade ambiental de portadores de deficiência, em que certas condições ambientais são consideradas simplesmente como sendo ou não sendo acessíveis. Tal visão impedia que a acessibilidade fosse absorvida pelo grande mercado consumidor, numa franca associação com o estigma da própria deficiência. O design universal, por sua vez, abrangeu a adaptabilidade ambiental num espectro mais amplo, por considerá-la nos estágios iniciais de cada idéia, qual seja potencial e indiscriminada a todos os produtos.

Essa abordagem mais universal, absoluta, enfoca as habilidades em potencial de todos os usuários, portadores ou não de deficiências, e o impacto ambiental das intervenções ambientais que visem aprimorar tais habilidades. Surgiu pela síntese conceitual de vários campos do conhecimento (a ergonomia, a psicologia ambiental, a sociologia, a antropologia, entre outros), e depende tanto das investigações científicas quanto das proposições em design.

Ainda hoje nas intervenções construtivas, infelizmente, tem prevalecido a forma dialética da acessibilidade ambiental. Isso ocorre porque a construção de ambientes pressupostamente acessíveis não ultrapassa aos critérios mínimos para a supressão de barreiras a certos tipos de deficiência. Tal reducionismo lógico e pragmático da acessibilidade repercute então, de modo paradoxal, em falhas de seus objetivos de instrumentação para a competência ambiental. Assim, a abordagem deturpada da acessibilidade pode atribuir ao usuário com necessidades especiais uma imagem social desfavorável e estigmatizada por expor uma condição de excessiva vulnerabilidade, mais acentuada até do que a exposta como real deficiência.

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Importância de contextualização

Considerando-se a importância do meio ambiente social para o desenvolvimento psicológico dos indivíduos com ou sem deficiência aparente, o desenvolvimento de competência ambiental decorre do reforço que a aprovação social sugere sobre atuações bem sucedidas. Neste aspecto, os efeitos do estigma da deficiência quando associados à acessibilidade podem ser mais perceptíveis. A demonstração de competência no uso ambiental estabelece um posicionamento de valor simbólico de cada pessoa perante o grupo, o qual passa a reconhecer e a respeitar no indivíduo a sua capacidade demonstrada de preservar e de estabelecer formas de comportamento social. O exame das circunstâncias do uso ambiental evidencia que, em geral, alguns usuários do espaço edificado não podem assumir o controle sobre certos fatores de uso ambiental necessários para a socialização. Incluem-se entre esses fatores: a seleção circunstancial das relações entre os indivíduos que reforça os laços de convívio (proximidade); o controle da exposição de si mesmo (privacidade) da informação pessoal (identidade) ; e a defesa do espaço pessoal (territoriedade) expressa em cada relação social.

De fato, a eficácia da acessibilidade está diretamente relacionada com a maior qualidade do uso ambiental, e este decorre do correto desempenho de papéis sociais ajustados ao contexto de cada ação. Para se obter independência,a capacidade de execução de determinadas tarefas sem o intermédio de auxílio por outros, deve-se antes ter alcançado a autonomia, a tomada de decisões junto a outros sobre a mudança dos fatores condicionantes à atividade pessoal. Assim, as alternativas de instrumentação irão predisporem-se à liberdade para portadores de deficiência desempenhar papéis sociais ativos.

É necessária a manutenção de um posicionamento crítico a partir do conhecimento adquirido, de forma a se complementar a lacuna de informações que seriam adquiridas da pesquisa e do design. Ao expressar a conciliação intuitiva entre os aspectos culturais e tecnológicos em elementos do espaço edificado, as proposições ambientais do design traduzem numa formulação pragmática os conceitos teoricamente formulados em pesquisas. Exemplo disso, são os conceitos, entre outros, de "acessibilidade ambiental" expressos em forma de largura de aberturas e funcionamento de fechamentos, assentamento de níveis nas edificações, rotas de circulação, etc; e o de "privacidade": em forma de orientação de entradas, de circulação seletiva, posicionamento de móveis, bloqueio visual e sonoro, proximidade funcional, etc. Num processo intermitente, a eficácia das soluções em design deve ser direcionada para confirmar ou rejeitar hipóteses derivadas de pesquisas; por outro lado, cada proposição ambiental deve ser avaliada por métodos científicos que predisponham a constante reformulação conceitual. Devido à insuficiência atual de informações, só o acúmulo dessas experiências é que pode assegurara instrumentação em alternativas ambientais mais satisfatórias e a evolução dos atuais métodos de investigação.

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Exceção faz parte da regra

Mensagens simbólicas de valores sociais são expressos na relação dos indivíduos com o ambiente e podem contribuir para o relacionamento entre as pessoas, com ou sem deficiência aparente. Para que isso ocorra, as noções do "ser impossível" devem ser entendidas apenas como um "estado de espírito" e as de "exceção" devem ser encaradas como "parte inerente da regra". Este é um desafio de transformação e de gerenciamento ambiental que exige, antes de mais nada, uma evolução de atitudes e de comportamentos.

Marcelo Pinto Guimarães

O texto acima se constitui numa re-edição,
Trata-se de uma síntese das idéias contidas na apostila
em publicação especial para o
Prêmio Nacional de Design, Pesquisa e Adequação
do Mobiliário Urbano à Pessoa Portadora de Deficiência,

Referências bibliográficas:
GUIMARÃES, M.P,  "Arquitetura Para Papés Sociais Ativos."
Belo Horizonte: CVI-BH/EA-UFMG. Junho, 1994

GUIMARÃES, M.P, Fundamentos do Barrier-free Design.
apostila.
Belo Horizonte:IAB-MG. 40pp. Março, 1991.

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