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Acessibilidade e Design Universal

Guilhermo, A., 1995

Introdução

Em 1997, está previsto para se realizar no Canadá, na cidade de Toronto, o Congresso do ICSID (International Council of Societies of Industrial Design) e o tema será "The Human Village", a Aldeia Humana. Segundo um dos seus organizadores, o designer Alexander Manu, a idéia é discutir, dialogar e argumentar a forma básica para uma nova direcão do desenvolvimento do ser humano.

Lógicamente, o tema foi proposto para discutir a idéia de "Aldeia Global" de Marshal McLuhan. Este estágio atual do Design apresenta o interesse por nossa Humanidade em contraposição à Globalização, Discutir Design nestes termos é uma reflexão filosófica.

Interessa-me muito o título proposto para esta palestra, e para falar sobre este tema farei uma reflexão sobre estas palavras "Universal", "Acessibilidade" e "Design". Design é isto, muito mais do que apresentar "cases" de produtos que solucionaram alguns problemas. Design é projeto, portanto, é o pensamento que permite gerar objetos que atendem a desejos. A forma nesta reflexão não está nos objetos e sim em atender desejos. Isto é conceituar. Design é conceito. O tempo que se estabelece aqui é o futuro, assim, quando "designeamos," estamos conceituando nossos objetos para uma vida futura.

"... sabia o futuro, porque conhecia o passado, a familiaridade com os fatos da vida lhe permitiam compreender e por isto aceitar.... a Eterna Natureza. "


(texto retirado do Livro o País das Sombras Longas, editora Record, do antropólogo Napolitano Hans Ruesch.)

Universal não é Global

Universal não é Global, o design universal não é aquele que serve na Holanda, no Zaire ou em São Paulo; isto, a exemplo do aparelho Moving Sound da Philips, é globalização com design.

A idéia de Universal é mais ampla, e é filosófica. Vem dos antigos filósofos da Grécia dos quais vou citar Platão, já que foi ele o primeiro a registrar seus pensamentos em forma de diálogos, os "Diálogos Universais". e foi ele também que fundou a primeira escola, que recebeu o nome de Academia, onde o mais importante era manter o diálogo vivo. Quando a Academia de Platão foi fechada, em 529, e no mesmo ano fundada a Ordem dos Beneditinos fechava-se na verdade o ensino baseado no diálogo, e isto dá margem a surgir, durante a Idade Média, ao redor de 1200, as primeiras 'universidades', divididas em diferentes áreas do saber, em diferentes 'faculdades', característica que sobrevive até hoje.

Não deveríamos discutir o 'design universal.' Design deveria ser 'universal' por Excelência. Design Universal é para todos. Isto não ocorre, e a causa está no ensino. Não no ensino de Design, mas no ensino em geral. Antes do produto, existe o objeto, e, antes deste, o 'homem'. O homem deveria ter consciência 'universal'.

"...o encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência e as diferentes tradições do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova visão de humanidade. Talvez, mesmo, de um novo racionalismo, que poderá conduzir a uma nova perspectiva metafísica ... "

(texto extraío do 2º artigo da Declaração de Veneza sob recomendação da UNESCO, e baseado na teoria da "Transdiciplinariedade" do Físico francês Basarab Nicolesch.)

Esta nova visão da 'humanidade', está ligada a estes conceitos 'universais'. Hoje, podemos citar outro conceito que contribuiria nesta reflexão, é a visão 'holística'. Segundo Pierre Weil, que escreveu o livro Holística: Uma Nova Visão e Abordagem da Realidade," encontramos diversos obstáculos, barreiras que em diferentes níveis (homem - sociedade - natureza) e em diferentes ordens (física - biológica - psicológica - energética e espaciais ) não nos permitem obter esta visão. Sempre que falo de uma visão do futuro, universal, holística, lembro em citar Italo Calvino que ao ser solicitado para elaborar uma série de palestras na Universidade de Harvard nos USA para fazer uma reflexão sobre o próximo milênio, escolheu os seguintes ítens: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consciência. Estas estão registradas em forma de livro chamado "Seis Propostas para o Próximo Milênio," editado pela Cia das Letras.

Desta forma, percebemos que o importante é a discussão e a reflexão de forma universal e isto deverá ocorrer através do diálogo. Na realidade, o que devemos solicitar são atitudes éticas, e a ética está relacionada ao ensino. Por isto o ensino básico (familiar ou escolar) deve estar fundamentado em conceitos universais, holísticos, onde predomine o equilíbrio e a harmonia entre o homem e a Natureza.

Acessibildade não é Física

Durante muito tempo associamos a idéia de 'acesso' a um fato físico. Para se ter acesso a um determinado lugar ou a determinada coisa, precisávamos ir até lá ou tê-la na mão. Acesso estava ligado a transporte. E, na verdade, está. O que acontece é que a idéia de transporte mudou. Transporte deixou de ser um meio físico de locomoção para ser um fato de comunicação. Portanto, não precisa ser físico, e pode ser virtual. Em alguns países com conceito de Estado moderno, não existe Ministério de Transporte; estas atribuições estão inseridas ao Ministério das Comunicações. Uma estrada comunica duas cidades assim como poderia ser o telefone, o fax, a rede de computadores, etc. Este conceito de acesso mais amplo tem base fundamental na tecnologia e no desenvolvimento da mesma. Por sorte, o tema desta palestra não é "acessibilidade e tecnologia", e sim, "design". A tecnologia nos coloca novamente dentro da discussão de 'globalização' e, principalmente, coloca a Latino-América, numa situação de dependência, essencialmente, pela falta de incentivo de suas sociedades à pesquisa e a filosofia.

Apesar de, aparentemente, esta situação de nova compreensão do que é acesso propiciar novas soluções, ela acarreta também fatos polêmicos. Para exemplificar isto, vou utilizar algumas idéias colocadas por Marcelo Coelho na sua página que dedica no jornal Folha de São Paulo. Todos os objetos que funcionam como agentes de transição ou mudança, por tanto ligados à idéia de transporte estão desaparecendo, um exemplo forte é dinheiro. Assim, nos deparamos hoje com uma nova geração que convive com a eliminação da idéia de 'processo', fruto das inovações tecnológicas que fazem parte do cotidiano. Bons exemplos são o relógio digital e o forno de micro-ondas. No caso do micro-ondas, a eliminacão da idéia de processo é clara, por tanto o próprio termo cozinhar não tem mais seu sentido mais amplo. Não só, não conseguimos visualizar sua atuação, como também a relação de tempo é diferente. Não há mais a demora. A passagem de um estado para outro é praticamente simultâneo.

Assim, como conceito, maturação deixa de ter sentido, e, com ele, o conceito de memória. Percebemos isto de forma mais clara nos computadores; quanto mais memória, mais rápido. Os objetos ganharam memória, e, os sujeitos, a estão perdendo. Desta forma, 'acessibilidade' não deve ocorrer apenas no campo fisico. Muitos terão dificuldade de 'navegar' em programas de multimídias e de interatividade. Discutir acessibilidade torna-se novamente uma reflexão filosófica que deve estar desprovida de imediatismos e provida de profundidade. Acessibilidade está associada à idéia de informação, portanto, ligamos este ponto também ao ensino. Proponho ao grupo de organizadores deste evento e lideres das entidades envolvidas com este evento, para que trabalhem de forma que estes temas façam parte da educação básica.

Poder e ética

Em diversas situações, e, em diferentes instâncias, pessoas em condições de decidir, pessoas com poder de decisão, não tem mantido uma visão 'holística', não tem mantido um pensamento 'universal' e não tem agido com 'ética'. E não me refiro só aos politicos que ocupam cargos públicos em condições de por em prática muitas destas idéias e desejos, me refiro tambem àqueles que projetam (designers, arquitetos, empresários. etc) e me refiro àqueles que consomem. Estou me referindo a todos nós, à sociedade como um todo, à nossa sociedade. Temos almejado, como futuro, o presente dos outros, principalmente dos países ditos de 'primeiro Mundo' e quando aqui são implantadas, já são passado nestas sociedades. Com este ponto de vista estamos sempre "atrasados". Esquecemos nossas realidades e identidades cultural, social e regional. Esquecemos a Humanidade. Esquecemos a Natureza. O ensino em geral e principalmente o ensino básico precisa de uma acentuada reformulação.

Prof Alvaro Guilhermo
Professor e Designer,UNIBAN
palestra para o
Symposium Acesso 1995, São Paulo

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